Até Amanhã, Até Amanhã...

As últimas 24 horas foram verdadeiramente alucinantes. Pelas 11h da manhã recebo uma chamada do lar da minha avó paterna a comunicar que a minha Maria Helena, com 84 anos, tinha sido internada de urgência devido a uma hemorragia gastrointestinal. Esta minha avó é diabética, tem bronquite, enfisema pulmonar, um problema de vesícula que só se resolveu com cirurgia de remoção e, recentemente, à cerca de dois meses esteve hospitalizada ficando 41 dias a combater contra uma pneumonia. Passámos o Natal juntas, fiz questão de convencer e que bem que ela esteve, que bem que conviveu, que bem que ajudou com a confecção dos mil e um doces que rechearam a mesa da consoada, do dia seguinte e dos dias seguintes a esses. Foi um verdadeiro banquete. Se vos dissesse que somos muito próximas mentia-vos, são circunstancias da vida, tantas vezes estúpida, são feitios dificeis de moldar, é a distância que não ajuda e não, não é uma desculpa, simplesmente existem relações que por muito que tentemos não passam de um certo limite. Mas, não me condenem já. Há amor, há sem dúvida muito amor e, acima de tudo, um brilho e uma cor nos seus olhos igual aos do meu pai. São algumas expressões, até as unhas são iguais. Os genes são uma coisa danada. É de certa forma uma maneira de reviver um pouco do meu pai e, ao mesmo tempo, tão diferente. Não sei explicar melhor, nem quero. Só sei que esta chamada foi suficiente para me fazer mexer, fiz a mala e pus-me a caminho de Campanhã. Tive que fazer transbordo em Coimbra-B e apanhar depois o train urbano que terminava na Figueira da Foz. Desenrrasquei-me, 40 minutos mais tarde, a pergtar ao motorista de táxi, muito simpático por sinal, se perto do hospital existia uma pensãozinha cómoda e barata onde pudesse ficar e, num instante, lá me levou. Em 5 minutos, a dona da Hospedaria Simões, mostrou-me o quarto, disse-me o preço e fechámos negócio. Deu-me a chave do quarto 2 e um cartão com os conactos. Saltei outra vez para dentro do táxi, pois o cronómetro avançava a toda a velocidade e, fomos a todo o gás para o hospital. Dispensei a factura e o sr. deu-me também o seu cartão com o contacto. Num instante estava já dentro do átrio principal do hospital, dirigi-me à recepção e, após dizer o nome da minha avó, recebo um cartão de acompanhante. São 18h30 e as visitas terminam às 19h. Esqueço o elevador, corro devagarinho até às escadas e subo ao primeiro piso, viro à esquerda para a cirurgia e procuro nas portas o número de cama 13. Percorro o corredor quase até ao fundo e, finalmente, logo à entrada, sentada na cadeira de rodas, lá estava ela com o seu robe azul a cobrir o pijama hospitalar. Visivelmente mais magra mas, não de tal maneira que meta impressão, vejo a sua expressão facial mudar do dia para a noite: "Olha a minha 'S !!! Óh filha estás aqui?" recebe-me ela, "Não estava nada a contar..." Faz-se silêncio, esboço um sorriso e os meus lábios encontram a sua testa onde me demoro no beijo. Começa a cair-lhe uma lágrima, que me apresso a limpar suavemente da cara. Ela coloca a mão dela na minha e apertando-a, surrurra-me: "Obrigada... Obrigada por estares aqui..." e, finalmente, sorri. O meu peito começa a bater mais rápido, o seu olhar toca-me e sei que tudo vale a pena por aquele momento. Tem o aparelho auditivo para arranjar e não me ouve se não lhe falar perto e num tom muito alto. Olho para o saco do soro quase a acabar, os meus olhos seguem o percurso até à mão esquerda onde tem o catéter e, ao ver-me a fitá-la, enquanto me contava que etava a ser muito bem tratada, arregaça a manga do robe e diz-me: "Já se fartaram de me picar". Carregadinha de hematomas digo-lhe que amanhã lhe trago trombocid. Ficamos mais um pouco a conversar, das irmãs, da companheira de quarto do lar que se chateou, do médico que reviu nesta estadia que lhe operou a vesicula à uns anos e que diz rindo muito que está: "Muito gordo, filha, ele está uma verdadeira bola hum...". No quarto estão outras 5 camas, 4 preenchidas no total. Digo-lhe que vou falar com a enfermeira e já volto. Acena-me com a cabeça e pisca-me o olho. Ponho a cabeça de fora para ver se está alguém no corredor, esquerda, direita, esquerda outra vez e sai uma enfermeira, dou uns passos e os nossos caminhos cruzam-se: "Boa noite!" dizemos as duas sem simultâneo. "É familiar da D. Helena?" ao que respondo: "Sim, sou a neta!"; "Ela hoje falou-me em si..." e passados 5 minutos tenho as informações que são possíveis de me dar neste momento. Não é animador. Amanhã a colonoscopia ditará onde será a cirurgia. "É sangue vivo, infelizmente" enfatiza ela, "Hoje de manhã levou uma transfusão... Mas só depois do exame saberemos ao certo do que se trata possivelmente!". Silêncio e olhos no chão... "Ela está bem disposta", "É uma mulher forte!" termino eu com um sorriso. Sem puder sacar mais nada volto para o quarto e voltamos a falar. Desta vez são os problemas das colegas lá do lar, é a amiga que fecha os olhos com 85 anos e "E eu que tenho 84!". Faço-lhe sinal com a mão de quem é uma menina pequena que merece levar tau tau com um ar carinhoso e logo muda de conversa. Conta-me da alheira que já tinha saudades de comer e uma amiga que gosta muito dela lhe trouxe ao que eu respondo: "Os mimos sabem tão bem não é? Pois!" Rimo-nos as duas, sem largar as mãos. As vezes, o silêncio inevitável volta e o medo do desconhecido reaparece vivo nos seus olhos. "Não sei o que me espera filha mas, estou conformada com a minha situação...", sinto que precisa de falar sobre isso e ao invés de mudar de conversa, continuo a mostrar-me atenta, olhando-a nos lábios como que um sinal para que continue. Não sei o que fazer. Ela rapidamente fala: "Eu gosto tanto de ti... " e conclui a frase a pronunciar o meu nome no diminuitivo, "Para mim vais ser sempre a minha ... (novamente o diminuitivo)" e larga uma pequena gargalhada com um olhar meigo. "Estás mais gordinha desde a última vez e o cabelo está tão bonito! Estás cada vez mais parecida com a tua mãe...", "Esse casaco deve ser quentinho!" a referir-se à minha canadiana cor-de-rosa: "Tens bom gosto a vestir! Nisso saiste a mim!". Impossível ficar indiferente. =) No meio disto aparece uma auxiliar de acção médica que me pede licensa e a leva mudar a fralda. Uma doente que está no mesmo quarto começa com aquela perguntas cuscas ao que eu respondo educadamente a algumas e corto-me noutras. Perecebo que se "preocupem" mas era daquelas personagens que se dá um dedo e leva logo a mão e comigo não tem sorte. Espero que fique boa logo. Regressam, a enfermeira tira-lhe sangue, muda o soro, dá-lhe uma picadela na barriga "é para a diabetes" "Não está não!" "Ah é aquele que me deu ontem tabém para fluidificar o sangue?" "Sim, D.Helena é essa mesmo está a ver como sabe... É uma sabichona aqui a D. Helena!" diz a enfermeira a piscar-me o olho e rimo-nos as três. "Estou a ser muito bem tratada..." volta a dizer-me quando a enfermeira vira costas. Falamos do tempo. Passa o segurança e diz-me que está na hora de saída. São quase quase 21h e eu devia ter-me ido embora às 19h. O tempo voa digo eu: "Bem, amanhã volto...Sim?" E abraço-a de coração aberto, "Está bem filha, se calhar é melhor só vires à tarde que de manhã ainda não devo ter feito o exame" "Eu apareço e logo se vê depois está bem? Porte-se bem" e pisco-lhe o olho "Oh, claro que sim!" dá-me ela um feedback a rir e dou lhe dois beijos, pego na mala e antes de sair solto um "Até amanhã, adeus..." e vou-me embora. Caminhando com a cabeça cheia de pensamentos, inda sou capaz de me despedir dos enfermeiros de seviço mas pouco depois ando, ando e de repente em vez de escadas vejo uma placa a dizer "maternidade". Apercebo-me que estou na lua e no caminho errado claro. Dou meia volta e escolho novamente as escadas, entrego o cartão de acompanhante ao segurança e vou até ao café logo à saída do hospital. Está um frio de gelar os ossos e uma chuva à molha tolos. Sinto-me mais confortável  com uma tosta mista e um galão. Ligo para contar novidades e apercebo-me que o 91 está sem bateria. Apanho um táxi novamente até à hospedaria e vou atenta para decorar o caminho e quando chegamos penso para mim: "...a pé são uns 20 minutos, espero que amanhã esteja bom tempo". Não devo gastar dinheiro assim e não tenho guardo-chuva. Entro no quarto, tranco-o e ao olhar bem não vejo tv: "Fod****, tu não me digas que isto nao tem tv!!!" e afinal lá estava ela pendurada na parede. Está ligada desde que cheguei, assim sinto-me acompanhada. Há uma cama de casal fofa, alguns móveis e uma casa de banho minúscula. Visto o pijama, ligo o pc, ponho os telemóveis a carregar. Não consigo viver sem tecnologia e, sem este blog já. Ouço os sinais de mensagem a tentarem a minha atenção, olho para o lado, volto a olhar para o pc e penso: "Deixem-me terminar isto que já vos dou atenção" "Preciso de desabafar e ao relatar isto estou a sentir-me melhor..." e agora sim, daqui a um minuto já estou a responder às mensagens. =) Até amanhã, até amanhã! ... =)

1 Response
  1. Menina Says:

    Oh meu amor..espero que tudo fique melhor..
    Admiro muito a tua coragem em partires assim sozinha..a sério. Quando for grande quero ser como tu.

    beijo*